Diversas dúvidas surgem quando o assunto é a transferência de bens após a morte. E uma das mais comuns é se o contrato de compra e venda entra no inventário. Muita gente acredita que a assinatura em um documento deste tipo é suficiente para garantir a titularidade de um imóvel ou bem móvel, mas não é exatamente assim que funciona.
Se o bem ainda estiver em nome da pessoa falecida, mesmo com um contrato de compra e venda assinado, ele deverá ser incluído no inventário — uma questão que pode gerar insegurança para o comprador.
Qual a validade do contrato de compra e venda?
O contrato de compra e venda é um documento que formaliza a intenção de compra de um bem. No entanto, a transferência de propriedade de bens imóveis só ocorre, de fato, com o registro no Cartório de Registro de Imóveis, como determina o artigo 1.245 do Código Civil. Isso significa que a simples assinatura de um contrato de compra e venda não é suficiente para garantir a titularidade do bem.
Para ficar mais claro, considere que Maria comprou um imóvel de Carlos, assinou o contrato de compra e venda e fez todos os pagamentos. No entanto, Maria nunca formalizou a transferência do imóvel no cartório. E Carlos veio a falecer.
Nesse caso, o imóvel ainda está legalmente no nome de Carlos e, por isso, deve entrar no inventário junto com os outros bens dele, mesmo que Maria já tenha pagado o valor integral.
Assim, os herdeiros, no processo de inventário, receberão os direitos que Carlos tinha sobre o imóvel, pois Maria não será considerada a proprietária até que consiga formalizar a transferência — possivelmente por meio de uma ação judicial, como a adjudicação compulsória ou mesmo usucapião, como veremos a seguir.
O contrato de compra e venda entra no inventário?
Como adiantamos, sim, o contrato de compra e venda entra no inventário se o bem não tiver sido formalmente transferido para o nome do comprador.
Essa ausência de registro faz com que o bem continue, legalmente, pertencendo ao falecido e, portanto, precisa ser incluído no inventário, conforme os termos do artigo 1.784 do Código Civil, que determina que a herança deve ser transmitida aos herdeiros no momento do falecimento.
Jurisprudências sobre o tema demonstram que, em muitas situações, os tribunais reconhecem a validade do contrato de compra e venda entre as partes mesmo que o bem tenha sido incluído no inventário. Porém, essa validação depende da apresentação de provas e da boa-fé do comprador.
Como exemplo, podemos citar um julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (AI 70078578895), de 2019, que determinou que, uma vez que o imóvel em discussão foi vendido e quitado antes do falecimento de seu vendedor, ele não deveria integrar o espólio, sendo desnecessário entrar em inventário. Diz a decisão que:
“Com efeito, conforme alegado pela inventariante, o imóvel descrito na matrícula n.º 8.628 do Registro de Imóveis de Igrejinha/RS já não mais integrava o patrimônio do de cujus à época do passamento, uma vez que, conforme se verifica no contrato particular acostado às fls. 34/37, foi alienado pelo casal em meados de 2008 e quitado em 15/11/2010.
Neste diapasão, e considerando que todos os herdeiros são maiores e capazes (fl. 30) e concordam com o pedido da inventariante, não há óbice ao deferimento do pedido de expedição de alvará para formalização e regularização do negócio, não havendo necessidade de remeter a questão às vias ordinárias.”
Contudo, é importante destacar que há casos em que o comprador precisa ingressar com ações judiciais para obter a regularização da titularidade do imóvel, como a ação de adjudicação compulsória.
Por meio desse processo, previsto no artigo 1.418 do Código Civil, o comprador pode exigir a Escritura Pública dos herdeiros do vendedor, desde que o contrato esteja devidamente quitado. Se os herdeiros se recusarem a fazer isso, caberá ao juiz julgar o caso e, se o comprador tiver seu direito reconhecido, a entrega da Escritura Pública será obrigatória.
Outra possibilidade para o comprador regularizar a titularidade do imóvel é por meio de usucapião. De acordo com o artigo 1.238 do Código Civil, o prazo para usucapião ordinário é de 10 anos e, em algumas condições, pode ser reduzido para 5 anos (usucapião especial urbano ou rural).
Aqui, se o comprador mantiver a posse do imóvel por esse tempo, sem interrupções ou oposições dos herdeiros, ele poderá ingressar com uma ação de usucapião para adquirir a propriedade do bem, desde que comprove o uso e a posse adequados.
Quais os riscos de comprar imóvel em inventário?
Comprar um imóvel que ainda está em processo de inventário pode apresentar riscos jurídicos e financeiros. A seguir, explicamos os principais:
1 – Demora na regularização
O processo de inventário pode ser longo, especialmente se houver disputa entre os herdeiros, o que pode atrasar consideravelmente a regularização da titularidade do imóvel para o comprador.
2 – Disputas entre herdeiros
Em muitos casos, os herdeiros podem questionar a venda. E, havendo litígios, podem ocorrer longos processos judiciais, como ações de anulação de venda ou discussões sobre partilhas.
3 – Invalidação do contrato
Se o contrato de compra e venda não estiver devidamente formalizado ou se houver falta de pagamento, a venda pode ser contestada judicialmente e até mesmo anulada, levando o comprador a perder o bem ou a ter que pagar valores adicionais.
4 – Impostos e custos adicionais
A transmissão de bens por herança está sujeita ao pagamento do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), que é, a princípio, responsabilidade dos herdeiros. No entanto, em algumas situações, dependendo da legislação estadual ou de decisões judiciais, o comprador pode ser responsabilizado solidariamente por esse imposto.
Além disso, após a conclusão do inventário, o comprador deverá arcar com o Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) e taxas relacionadas à transferência do imóvel para seu nome no cartório de registro.
5 – Impossibilidade de uso imediato do bem
Se o comprador adquirir o imóvel antes do inventário ser concluído, pode ser impedido de usufruir do bem até que todas as questões legais sejam resolvidas, principalmente em casos de disputa entre os herdeiros.
Perguntas frequentes
Sim, o contrato de compra e venda entra no inventário se o imóvel ou bem não tiver sido formalmente transferido para o nome do comprador. Nesse caso, o bem pode ser inventariado e o comprador terá que buscar regularização, como por meio de adjudicação compulsória ou usucapião.
Sim, é possível desde que haja comprovação de sua posse ou contrato de compra e venda. Nessas situações, o imóvel pode ser incluído no inventário e o comprador ou os herdeiros podem regularizar a titularidade através de ações judiciais.
Conclusão
Em resumo, o contrato de compra e venda entra no inventário quando a transferência de titularidade não foi devidamente registrada em nome do comprador.
Mesmo que o acordo tenha sido firmado, o bem pode ser incluído no espólio do falecido e sujeito a inventário, o que gera riscos para o comprador. Para evitar complicações, é essencial que a transação seja concluída de forma legal, com o registro do bem, e que todas as formalidades previstas no Código Civil sejam observadas.
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